quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Rubrica 50 Anos de História: Capela das Preces e Grandiosa Manifestação no Jubileu da Imaculada Conceição - Machico

Estamos de regresso com a nossa rubrica!

Nestes dias que se aproximam da festa de Nossa Senhora das Preces na Capela do Marco, pertencente à Paróquia do Piquinho, vamos divulgar um pouco da história desta capela e sobretudo elucidar para o facto desta capela ter vivido em 1904 um dos maiores préstitos que Machico fez a Nossa Senhora da Conceição...

Capela de Nossa Senhora das Preces: Uma ermida que foi mandada construir pelo Cónego Agostinho de Góis e Menezes, numa escritura lavrada pelo tabelião do Funchal André de Sousa , este cónego  fez dote em 1 de Setembro de 1737 de umas propriedades à ermida das Preces, no Sítio do Marco, em Machico. A dita capela, recentemente edificada estava ornada com todos os paramentos e desta forma pediu autorização ao Bispo do Funchal para ser benzida. Feita a vistoria foi concedida aquela benesse da sua benção a 9 de Setembro de 1737.
Esta ermida foi reedificada em 1883 por Antonio Thiago da Silva, no interior o altar -mor que já não é o original, é composto por um retábulo de linhas simples e no centro deste temos uma tela a óleo representando Nossa Senhora das Preces.
Esta ermida esteve desde sempre ligada ao povo de Machico, localiza-se no Sítio do Marco que é o fim da freguesia de Machico e sempre teve grandes romagens do povo que peregrinava a pedir as suas preces.
Aquando da divisão das paróquias a Capela ficou para a Paróquia do Piquinho e motivou algumas contestações pois o povo da Ribeira Grande também prestava muito culto nesta ermida e tanto que até esteve para a Imagem da Capela ir para a Igreja da Ribeira Grande...
Fala-se das festas que num ano eram organizadas pela Ribeira Grande a procissão descia pelo Caminho da Lombada até quase ao limite do Sítio do Marco perto casa Sr. Pedro onde faziam um garnde arco de verdura. Quando a festa era feita pelas gentes Marco a procissão ia pelo Caminho Regional até perto da casa do Sr. Juvenal onde igualmente faziam um arco de verdura. Fala-se que o entusiasmo era tal que por onde passava a procissão as pessoas variam as estradas e limpavam-na.
Foto Percurso das Procissões:
Percurso Amarelo: Quando Festa era realizada gentes do Sítio do Marco.
Percurso Branco: Quando Festa era realizada gentes da Ribeira Grande.
Risco Azul: Localização da Capela das Preces
Actualmente o percurso é muito diferente dando uma voltinha pequena perto da Capela...

Esta ermida diz-se que estava inserida numa propriedade com uma casa senhorial de onde vinha um pequeno percurso ladeado com bucho que dava acesso à Ermida.
Mas facto importante da História da Capela e sobretudo de Machico foi a grande manifestação de fé que este local viveu com toda a comunidade de Machico. Aqui respondemos à questão: Será que a imagem de Nossa Senhora da Conceição já esteve na Capela das Preces?, e a resposta é sim...
A riqueza da descrição desta reportagem do Diário Popular de Novembro de 1904 sobre a grande homenagem a Nossa Senhora da Conceição, justifica a sua reprodução na íntegra. Esta procissão é sem dúvida, bem elucidativa das manifestações religiosas da época e da forte influência social que a Igreja detinha nos últimos anos da monarquia.

HOMENAGEM À IMMACULADA CONCEIÇÃO DE MARIA, MÃE SANTÍSSIMA DE JESUS
Machico, 22 de Novembro de 1904 (Notícia do Jornal) 

Até que afinal tivemos a consolação de poder realizar, no domingo próximo passado, o solemne préstito religioso destinado a honrar a Imaculada Conceição da Mãe Sanctíssima de Jesus Christo.
Primeiramente marcada para o dia de Todos os Santos, esta magnífica procissão teve de ser addiada, em vista da copiosa chuva que cahiu n´esse dia e na noite antecedente. Levada agora a cabo, essa grande manifestação de fé e devoção para com Maria Imaculada nada perdeu de enthusiasmo, desenvolveu-se mais e cresceu em intensidade.
Mesmo agora a solemne peregrinação esteve para não realisar-se. A tarde de sabbado apresentou-se tempestuosa. Grandes botegas de chuva cahiram constantemente. Porém na noite de sabbado para domingo 20 do corrente, o tempo melhorou consideravelmente e os esplêndidos raios de luar vinham beijar-nos o leito, vertendo em nosso coração a esperança de podermos no dia seguinte festejar Maria Imaculada.
A manhã de domingo raiou bella, primorosa, e os pássaros, em alegre chilreada, saudaram à porfia o nascer de um sol que, embora de outomno, parecia vir revestido das scintillaçõs primaveraes.
Era porque o Supremo Creador e Regulador do universo talhara esse dia para que Machico ostentasse também, por sua vez, a pujança da sua fé e os primores da sua devoção para com a Imaculada Virgem de Nazareth, sua celestial Padroeira.
Ia, pois realizar-se a procissão do Jubileu da Imaculada Conceição.
Ás 6 horas e meia da manhã, uma girândola de foguetes e o repicar festivo dos sinos, davam a toda a freguezia a alegre nova.
Então, pouco depois, as estradas que dão para a egreja parochial pareciam um cordão de cores variegadas. Era o povo que, com trages de dellerentes matizes, corria para o templo sagrado a incorpurar-se no préspito de Maria SS.
Ás 7 horas da manhã estava repleto o vasto templo que o afortunado Rei D. Manuel honrou com tão valiosas dádivas, dedicando-o a Nossa Senhora da Conceição.
A essa hora celebrou missa, no altar-mor o Rev.o Rufino Augusto de Menezes, cura da freguezia. Finalisada a missa, novo repique dos sinos e novas girândolas de foguetes, annunciaram que se preparava a magnífica procissão.
Às oito e meia horas da manhã, todos estavam a postos. Rompia o préstito uma formosa Cruz, revestida de bellas açucenas feitas de panno, sob a qual seguiam as filhas de Maria e muitas crenças vestidas de branco. A procissão poz se em marcha atravez da villa, e pelo caminho da ribeira, dirigindo-se para a capela de Nossa Senhora das Preces que, em 1880, fora reparada pelo malogrado António Thiago da Silva e que hoje é propriedade do Sr. João Carlos d´Aguiar.
Logo atrás da cruz azul e branca seguia um belo pendão de Nossa Senhora da Conceição, cruz e estandarte do S. S. Coração de Jesus. Depois principiou o desfilar das confrarias, principiando pela do Senhor dos Milagres, com as suas capas rouxas seguindo-lhes após, precedidas das respectivas cruzes e ceroferários, as irmandades do S. S. Sacramento e de Nossa Senhora da Conceição, trajando capas encarnadas, a primeira d´estas capas de cor azul e branca a segunda. Era no fim desta irmandade que seguia o andor sobre o qual se destacava uma bella e devotíssima imagem francesa, representando Maria Immaculada. O andor que se apresentava lindo, era ladeado por quatro meninas vestidas de branco e quatro irmãos empunhando lanternas.
Seguiam logo atrás os ver.0s João d´Ascenção Ramos e Silva, vigário do Caniçal e Jacinto da Conceição Nunes, vigário de Machico, que levava o Sagrado Lenho da Cruz. Fechava o lindo pretito – certamente o mais bello de Machico jamais viu – a Philarmónica D. Carlos I que, sob a regência do sr. Francisco Maria Nobre executou magistralmente a sublime marcha grave de F. Filipe. Atraz da música viam-se quasi todas as principaes e mais illustres famílias da villa de Machico, empenhadas, n´um bello rasgo de ardente fé religiosa, em prestar juntamente com o povo, uma pública e slemne homenagem à Immaculada Conceição da Mãe de Deus.
Era commovedor o desfolar pausado e piedoso do grande préstito, no qual se incorporam 502 irmãos, das diferentes confrarias, e cerca de 100 donzelas e crianças vestidas de branco. E note se que nesta procissão, somente tomou parte gente de Machico e Caniçal.
As meninas que iam sob a cruz azul e branca, entoaram durante o longo percurso da procissão bellos cânticos em honra da Mãe de Deus, sendo dirigida pelo ver. Padre Rufino de Menezes. Ao ver passar a imagem d´aquella que a Egreja honra com o título de consoladora dos afflictos, os olhos de muitos marejavam-se de lágrimas. E lá seguia, caminho das Preces, a piedosa imagem, sob uma chuva de pétalas de rosa e chrysantemos, debaixo de odorantes arcos, guarnecidos de louro e murta, hortencias e rosas, parecendo que a Virgem puzera em sua imagem um sorriso para cada alma, uma esperança para cada coração.
Felizes os que crêem!
Merecem uma menção honrosa os elegantes arcos dos sítios do Muro, da Torre e da Lombada, que haviam sido trabalhados a primor, embora apressadamente, pois foram quasi todos levantados na madrugada de domingo. Depois de duas horas de marcha, chegou à capella das Preces, situada no recinto da pittoresca quinta do Sr. João Carlos d´Aguiar, o grande préstito religioso, testemunho alevantado, sincero, afectuoso e cordeal do bom povo de Machico à sua celeste Padroeira.
À porta da quinta do Sr. João Carlos, vestido de casaca, e sua ex.ma esposa, trajando uma rica toilette, assistiam ao entrar da procissão com vellas accesas na mão. Cerca das 11 horas da manhã celebrou a missa campal o ver.o vigário de Machico em um altar para tal fim levantado à porta da capela, n´um logar onde o Augusto Sacrifício podia ser presenciado pela grande multidão, extática e piedosa, que se agglomerava à bela sombra dos carvalhos, quer no adro, quer no copado passeio que dá para a casa da residência.
A commoção era geral. A devoção era quente, fervoríssima. Não havia quem não horasse. Não se ouvia uma palavra aceptica, não se esboça um sorriso blasfemo.
Glória seja dada a Deus e à Immaculada Conceição Maria!!
Até a elevação a Hóstia Sacrosanta, a Banda de música “D. Carlos I” executou com muito sentimento, a área de cornetim, composta pelo maestro cordeiro, que se intitula “ A Conceição”.
Depois da elevação um magnífico coro de meninas cantou o “Tantum Ergo”.
Finda a missa o ver. P. Rufino A. de Menezes, que havia sido o orador escolhido para a solemnidade, pronunciou uma elequente allocução, bella na forma, tocante na ideia, incitando o seu numeríssimo auditório a continuar a prestar a Maria Immaculada os cultos de uma sincera e ardente devoção.
Terminou pedindo aos que escutavam que dessem uma viva sonora, que se ouvisse se valle em valle, de montanha em montanha, em honra da Immaculada Virgem da Conceição, a quem todas as gerações proclamam a bem aventurada…
Todos estavam comovidos.
Dominado por uma impressão superior o rev. Vigário Jacinto da Conceição Nunes sobe também ao púlpito e improvisa uma alocução que durou 8 a 10 minutos.
Diz que não pensava usar da palavra em tão faustosa ocasião, mas que tem deante de si o futuro e que este lhe diz que elle orador não chegará a presencear uma homenagem egual a Maria Immaculada, que é o primeiro pastor d´este rebanho de Jesus e que a sua consciência o arguiria atrozmente se permanacesse mudo, quando o seu coração palpitava tão fortemente. Que ao passar debaixo daqueles 103 arcos, tecidos de louro emballamados de mirtos e rosas, dissera em seu espírito: “ É preciso que seja grande a glória que Maria goza no céu para que Deus permitta seja ella tão glorificada na terra”…
… Ao terminarem os vivas (á Immaculada, ao Pontífice Pio X, ao eminente Bispo do Funchal, à nação portuguesa e ao povo de Machico), a Banda de Música D. Carlos I tocou o hymno nacional…

Perante este documento tão belo e importante conseguimos constatar que a Capela de Nossa Senhora das Preces sempre teve grande importância e extrema devoção por todo o povo de Machico, e aqui ficou a grande homenagem para que todos possam ficar elucidados da grandeza da fé do Povo de Machico. Junto do povo ainda hoje se falam das sucessivas peregrinações até à Capela das Preces aquando da Benção dos Campos onde o senhor Vigário ia abençoando todos os campos até chegarem à Capela... Muitas mais histórias haveria para contar, mas a riqueza do documento que foi publicado já disse tudo!
Até á próxima rubrica dos 5O Anos de História

Por: Patrício Sousa

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